
À primeira vista, tudo pode parecer caótico. Mas, analisando o todo, faz sentido: uma fileira de guarda-sóis lado a lado, crianças correndo até e de volta da água, ambulantes vendendo todos os tipos imagináveis de produtos, pais e mães sentados na sombra, fugindo do sol quente da metade do verão. Mesmo que não haja silêncio e que o movimento seja intenso, ainda assim dá pra dizer: a praia deu certo porque o mar sabe até onde vai.
De volta à cidade, o mesmo não se encontra. São carros empilhados, motoristas sem muita paciência, edifícios que parecem tombar em cima das avenidas, e um ar cinzento que, de quebra, aos poucos nos engole (ao mesmo o que o engolimos). A cidade existe em meio ao caos, e ela talvez funcione como um dos maiores exemplos de falta de limites: há sempre quem ultrae o sinal vermelha, há sempre aquele pedestre que não anda na calçada, há sempre um ambulante tomando conta de toda a agem, e existimos nós, que andamos com uma pressa ininterrupta porque sempre há algo para se fazer, sempre há um prazo a ser cumprido.
O caos moderno é como o tsunami que invadiu a cidade quando ninguém esperava. Exatamente quando estavam todos ocupados demais para ter que lidar com um tsunami. A maré se revoltou, a água cruzou o seu limite, adentrou as ruas e revolucionou qualquer planejamento. E desde então, vivemos molhados — de compromissos, de notificações, de promessas que não conseguiremos cumprir.
O verdadeiro caos, porém, não é o movimento do dia a dia. É a falta de margem que permitimos existir vez que outra. É o não abraçar dos limites que nos mantém seguros onde podemos e devemos permanecer, e que eventualmente acabamos ultraando porque acreditamos que, sim, no fim do dia poderemos dar conta de tudo. E tudo bem, pode até ser que tenhamos dado conta de tudo até agora. Mas... Até quando permitir a maré alta é aceitável, se a ressaca do dia seguinte nos esgota por inteiro?
Na praia, o mar conhece seu lugar. Ele sabe até onde pode ir. É claro que algumas vezes ele se revolta, assim como qualquer um de nós, e é aí que percebemos que, quando cada um ultraa seus limites, nada mais funciona. A água avança, destrói o que vê pela frente, desarmoniza uma felicidade que consegue resistir até mesmo debaixo de um sol de quarenta graus. A harmonia de um mar calmo, então, não está na ausência de ondas, mas no fato de que ele vai até onde sabe que pode e sempre volta.
Ele recua quando sabe que não pode seguir.
O mar respeita a areia, as cadeiras, os castelos construídos por mãos pequenas com tanto esforço porque sabe que ir além disso é romper-se, e que só deve fazê-lo em extrema urgência — quase sempre, quando algum terceiro o tira do seu eixo natural. Talvez o segredo esteja aí: não em conter o caos, mas reconhecer até onde ele pode ir. E, principalmente, até onde nós podemos.